Breaking News

‘um aluno do colégio custa em média 100 dólares dia’

fonte: http://www.opais.net
Como é que está o ensino particular em Angola?
O ensino particular a nível do país hoje encontra-se muito saudável. Felizmente implementámos muitos projectos para elevar a qualidade do ensino, muito deles foram implementados há cinco anos e hoje começam a dar os seus frutos. Sempre primámos pela qualidade do ensino e sempre defendemos
um ensino personalizado, com poucos alunos nas salas de aula e isso tornou-se competitivo. Mesmo ao nosso nível existe uma grande competição, o associativismo estimula a união entre as instituições, mas também recomenda a concorrência saudável entre nós. Isso tornou-nos hoje uma referência, o ensino particular deixou de ser alternativa e passou a ser opção. Quando o ensino particular surgiu foi para evitar greves e outras coisas, os pais tinham como alternativas as faltas de salas no Estado e tudo mais. Felizmente conseguimos nos transformar em opção e hoje nós somos opção, os pais dificilmente procuram em primeira instância uma escola pública, fazem-no primeiro no ensino particular. É verdade que no ensino técnico profissional isso hoje começa-se a inverter, muitos são os encarregados que optaram pelo ensino técnico profissional e levam os seus filhos para institutos técnicos. Mas o ensino primário no primeiro ciclo é a grande aposta dos encarregados no ensino particular.
Não acha que os proprietários de colégios vêm isso mais como um negócio do que uma actividade virada para a formação de futuros quadros?
Isso de negócio nunca o foi. É interpretado assim por causa das propinas, mas garanto a si e ao público em geral que um aluno custa-nos por dia uma média de 100 dólares e esse valor é a média da propina a nível nacional. Logo, então isso não é um negócio. É verdade que temos de estar activos porque o Estado não nos dá qualquer subsídio, pelo contrário somos contribuintes fiscais, contribuímos taxativamente com as obrigações financeiras que o Estado nos impõe, o que é normal. Mas a nível comercial o ensino particular não dá grandes lucros. Porque nós temos uma média diária de gasto num aluno em média de 100 dólares e vou escamotear: temos a hora lectiva paga ao professor que tem um custo, temos luz, água, quer corrente como da fonte alternativa, segurança, saúde, higiene e limpeza. Tudo isso equacionado dá na ordem de 100 dólares/dia. Daí que não seja uma actividade muito lucrativa. Ela não pode ser interpretada como uma actividade comercial. Por outro lado, as pessoas que têm colégios por norma foram da educação, trabalharam no Estado, estão ligados aos colégios mais por amor, compromisso social e não pela parte comercial. A parte comercial é consequência e nós, a nível da associação, já fizemos um trabalho e temos vindo a fazer continuamente para esclarecer os proprietários dos colégios que isso não é um negócio, porque a educação e a saúde são coisas muito sérias. Então o trabalho tem que ser muito sério e com muita responsabilidade. Posso afirmar com certeza e muita segurança que não é visto como um negócio, a parte financeira é apenas vista como uma consequência.
Mas a cada ano que passa assistimos ao surgimento de muitos colégios. Deve haver muito amor para pouco interesse comercial. Ou estamos errados?
Não é que seja muito amor, é uma oportunidade que o mercado ainda oferece. Repare que grande parte dos colégios ainda surge na parte sul da cidade, em áreas onde o Estado ainda não construiu escolas. Infelizmente, em Angola o Estado ainda é de previdência, constrói escolas, as equipas e paga salários. Se izer isso com mil escolas, com certeza nunca vamos ter qualidade no ensino público. Felizmente o Estado entendeu desde 1991 que tinha de ter um parceiro nisso que é o ensino particular e vai dividindo esta tarefa com o ensino particular. O particular geralmente coloca escolas, sobretudo em Luanda, nos espaços onde o Estado não existe é esse o papel e a função social do particular. Mas posso lhe garantir que não é muito lucrativo.
É uma realidade apenas de Luanda ou das restantes províncias onde estão representados?
Particularmente de Luanda. Aqui temos 415 colégios, a nível das províncias todos os anos cresce sim, mas são mais dois ou três. Depois de Luanda os grandes espaços geográficos são Benguela, Lubango e Huambo. O Huambo em pouco tempo superou Benguela e Lubango em número de colégios. Muita gente está a regressar ao Huambo e hoje tem entre legais e em vias de legalização acima de 50 colégios. Benguela e Lubango têm por aí 30 colégios em média, mas estamos a falar de bons colégios. Diferentes de Luanda que é mais quantidade do que qualidade. Quando diferencio quantidade da qualidade, estou-me a referir a colégios classificados no grupo A, em Luanda não são muitos. E quero aqui referir que o grupo A é aquele onde as condições infraestruturais e pedagógicas são bastante exigentes, então poucos constam deste grupo. Há colégios bons no centro da cidade, mas não estão no grupo A porque não reúnem, por exemplo, um campo de jogo, balneários, biblioteca, então são alguns dos pressupostos porque reúnem numa vivenda adaptada. Mas naqueles colégios que são feitos de raiz, o que vem acontecendo no sul da cidade de Luanda, grande parte deles estão no grupo A.
Falou da qualidade e as condições para a integração de alguns colégios no chamado grupo A. Como é que vêem ainda o surgimento de colégios em residências com dois, três ou quatro compartimentos, como acontece, por exemplo, no município do Cazenga, onde estivemos recentemente?
Bem temos que diferenciar. O nosso sistema tem escolas oficiais, particulares e comparticipadas. Portanto, têm regimes jurídicos diferentes. Quando de refere ao Cazenga, Golfe, Viana e por aí estamos a referir as escolas comparticipadas. O Estado abriu espaço para estas escolas e funcionam da seguinte forma: o particular entra com o espaço físico e o Estado com o material escolar, nomeadamente carteiras, quadros e os professores. Foi a promessa, mas ela não foi cumprida. Resultado: o particular entra com as infra-estruturas, teve de comprar material e paga os professores. Se reparar, as propinas nestes sítios não custam mais de dois mil Kwanzas. É assim que está estabelecido. Por ser comparticipada, a propina não é superior a dois mil Kwanzas e aí não vamos ter qualidade nenhuma e é o que vem acontecendo nestes sítios. As escolas são enumeradas, mas também têm nomes. Por uma questão de diferenciação das tradicionais explicações e mesmo das escolas comparticipadas, as pessoas não vão muito pelas escolas comparticipadas e atribuem um nome e colocam colégio tal. Então misturam-se com os colégios que existem de jure e de direito, isso confunde muito a opinião pública. Posso lhe garantir que Luanda hoje têm acima de 800 escolas comparticipadas, que são instituições com quatro salas e isso funciona sobretudo na periferia.

Não era possível adoptar medidas do género já com colégios que possuem infra-estruturas adequadas e qualidade no ensino?
Nós agora temos feito um trabalho com as comparticipadas no sentido de elevá-las a colégios. Aquelas que têm espaço, alguma capacidade de investimento ou de recurso ao crédito bancário já começaram a evoluir para colégios, mudaram de estatutos. Passaram de comparticipadas para colégios, mas mesmo assim elas ainda são muitas.
O que faz com que o ensino particular até hoje ainda não conta com uma mãozinha do Estado?
Vou-lhe dizer que a propina, por exemplo, ficaria mais barata se tivéssemos uma subvenção do Estado e temos estado a lutar por isso. Se o Estado subvencionasse impostos, porque nós em Angola pagamos todo o tipo de impostos, o industrial e o de selo sobretudo. Se o Estado subvencionasse o ensino teríamos melhor qualidade, porque teríamos mais dinheiro para investir e quando falo da qualidade incluímos também a parte social do professor, que é o salário. Porque nós temos de pagar salários, investir na formação contínua do professor e dos gestores também, fazemos ciclicamente quer dentro de Angola como fora, quer para professores como para gestores escolares, porque eles têm que conhecer o nosso mundo e nossa realidade para serem mais sensível com o nosso trabalho. No entanto, essa gama toda de investimento tem um custo muito elevado. Se o Estado abdica-se do imposto industrial ou reduzisse, nós, com certeza, melhoraríamos, porque o imposto industrial é 35 por cento do valor bruto arrecadado em receitas durante o ano. E se calculares vais ver que isso é um valor percentual muito alto.
Não tem havido casos de constrangimentos nos colégios formados por pessoas que nem sequer passaram pela educação ou tiveram qualquer tipo de ligação com o ensino?

Isso no passado já foi mais frequente. Temos muitos proprietários, por exemplo, militares, mas a lei não lhes impede de serem empresários. Fizeram o seu papel na sociedade abrindo as instituições, mas faltava-lhes a parte pedagógica. Felizmente, grande parte deles investiu em familiares ligados à educação ou em técnicos da educação que conseguiram assegurar a instituição. Era um período transitório mas que nesta altura, em 2012, já não se nota a presença do proprietário na instituição. Isso foi desaparecendo ou tem vindo a desaparecer, então dá muito mais espaço e poder para o gestor trabalhar.
Tem sido fácil a associação ‘impor’ as suas medidas nestes colégios em que os sócios são militares ou pessoas que nunca estiveram ligadas à educação?

Não é fácil, porque sabe que o ser humano e a comunicação interpessoal também não é fácil. Nós por norma não impomos, sugerimos e vamos fazendo um trabalho profundo na mudança de consciência e de mentalidade. Felizmente as pessoas mudaram e vou-lhe dar um exemplo concreto de uma pessoa extremamente conhecida na sociedade, que é o senhor Alpega. Não teve nada a ver com a educação, porque é um ex-militar, entrou para a educação e na nossa óptica ele é um empresário, mas o ‘negócio’ que mais deu certo na vida acho que é a educação. Ele assumiu, incutiu e faz formação contínua connosco. Dá para perceber visivelmente que o colégio dele passou para o grupo A e não há dificuldades quer na relação dele com os professores, gestores. A associação é aberta, os professores que se sentem lesados recorrem a nós. Por regra primamos pelo diálogo, conversamos com as duas partes e procuramos levá-los a consenso. É um trabalho profundo que nós fazemos, hoje menos porque a sensibilidade das pessoas também mudou bastante.

Além do senhor Alpega há outras pessoas que se notabilizaram bastante no ensino particular?

Há muitas pessoas. Vou citar uma que a sociedade devia prestar alguma atenção. Há um senhor em Cacuaco que se chama Domingos, tem o colégio Domant, faz um trabalho espectacular. Tem o colégio, uma escolinha de futebol com caçulinhas que tem tido uma boa posição no campeonato de Luanda, um grupo carnavalesco infantil também bem trabalhado. É mais um indivíduo anónimo que faz um trabalho que quase a sociedade não vê. Infelizmente a sociedade não olha para a educação, não tem referências na educação. O professor hoje começa a ganhar um certo prestígio que foi perdendo ao longo dos tempos, felizmente graças ao trabalho quer na escola pública quer na particular, mesmo do Executivo do país, que melhorou o salário dos professores e essa profissão de professor vem sendo recuperada. Mas, os que trabalham em educação e saúde não são referências. As referências em Angola são só os desportistas e cantores, por isso é que dificilmente vamos criar capital humano nos próximos cinco anos. Vai levar muito tempo para criar capital humano porque não olhamos para educação e saúde para ir buscar indivíduos para serem referências a nível da juventude ou da própria sociedade no geral.

Sentem isso nos encontros que têm mantido com o Ministério da Educação?
Sentimos isso. Com o Ministério criamos uma estratégia da recuperação da imagem do professor, por exemplo. Aqui também quero destacar alguma imprensa que trabalha com bastante compromisso a questão da educação, um dos grandes destaques é a Rádio Luanda, sem desprimor para as outras que também o fazem como a LAC, quer jornais como O PAÍS e mais alguns. Mas a Rádio Luanda hoje é um parceiro para a educação, quer particular quer pública. Tem programas  para a educação, rubricas onde alunos das escolas concorrem, então isso também é fruto de uma parceria estabelecida entre nós, Associação Nacional do Ensino Particular e a própria Rádio Luanda.

Uma das questões que chama atenção dos encarregados de educação e de alguns sectores da sociedade é que basta ter dinheiro nos colégios para os alunos transitarem de classe. Haverá algum exagero das pessoas?

Essa ideia também faz parte do imaginário das pessoas há qualquer coisa como seis ou sete anos. Desde que nós assumimos a associação, já lá vão seis ou sete anos sensivelmente, o primeiro grande trabalho que fizemos foi dar credibilidade ao ensino particular. Passava por esta mudança de visão por parte das pessoas, que era mudar a imagem de que tínhamos alunos que desde que tivessem as propinas pagas eles passavam. Não. Se for ao ensino superior as faculdades públicas têm alunos que vêem do ensino particular e são muito bons alunos. As melhores universidades privadas têm basicamente alunos do ensino particular que são muito fortes do ponto de vista académico. E aqui sem desprimor para as demais cito a Universidade Católica, que a nosso ver está a nível das universidades públicas. Grande parte dos alunos da Católica são muito bons na sua faculdade de Ciência, Medicina, aqui falo com propriedade, porque a melhor aluna há dois anos passou pelo colégio que dirijo (o Pitabel). Passou pela faculdade de Medicina, fez o teste e passou, ganhou um prémio como melhor aluna do primeiro ou segundo ano, salvo erro. Então isso demonstra que os alunos são bons. E temos muitos exemplos de qualidade e se quisermos fazer uma comparação em relação às escolas públicas, se repararmos temos vários concursos  a nível institucional: há um concurso da SADC, que é de redacção e Língua Portuguesa, onde concorrem alunos da escola pública e particular e os países que integram a comunidade. O tema é escolhido pela SADC, depois passa para os países, mas nos últimos cinco anos os alunos que melhor se classificam são do ensino particular. Nos últimos três anos os que melhor se classificam são do ensino particular e fora de Luanda, principalmente do Lubango. Nos cinco primeiros alunos deste concurso, quatro são do ensino particular e isso demonstra qualidade. Existe também um concurso de Matemática a nível do Colégio Internacional, que é ligada a Embaixada da Turquia, começou em Luanda e agora está-se a espalhar no país (o Estado não abre isso a todos os colégios, infelizmente por ser uma coisa meio restrita, quando não devia ser assim), também os melhores classificados são do ensino particular. No primeiro concurso em 2011, nos 10 primeiros classificados sete eram da escola particular, isso também demonstra qualidade. Temos um exemplo muito recente, a Rádio Luanda está a promover um concurso académico intitulado “Olimpíadas do Saber” com 10 escolas públicas e 10 particulares. Já foram realizadas 10 edições, que acontece todas as quartas-feiras, das duas primeiras foram confrontos entre escolas públicas e particulares, mas as públicas foram eliminadas. Isso é Matemática, Português, Literatura e Cultura Geral. Existe uma qualidade, não é a que nós esperamos, mas temos trabalhado para atingir níveis cada vez melhor.

Acima das escolas públicas?

Acima das escolas públicas porque temos que concorrer. Temos espírito de Nação.
Tem como base os indicadores que apontou?
Sim, estamos acima das escolas públicas. Previsível e destacadamente acima das escolas públicas porque isso tem as suas razões. Na escola pública temos turmas de 50, 60 ou até 100 alunos, na escola particular temos no máximo 25 ou 35 alunos. Há uma diferença abismal no tratamento que o professor vai dar a essa turma, ele vai conseguir trabalhar de forma personalizada, conhece o aluno pelo nome e a sua qualidade. Na escola pública infelizmente é um exercício muito difícil, sobretudo em Luanda, onde tem a maior concentração populacional do país, o Estado vem construindo muitas escolas todos os anos, equipa-as, mas ainda estamos longe da qualidade pelo grande número de alunos. Ainda estamos longe da qualidade pelo grande número de alunos e a educação de qualidade tem de ter uma rácio professor/aluno. Se isso não existir abaixo do número 30 dificilmente se tem qualidade.

Os concursos que referiu a pouco são os únicos indicadores que utilizarem para aferir a qualidade dos estudantes do ensino particular?

Não, existem outros, mas o que é mais visível e é o corolário de qualquer outro exercício que se faça para aferir qualidade é realmente um concurso académico. Todo o resto concorre para esse fim.

Quais são os critérios que um encarregado de educação deve observar para identificar um bom colégio para o seu ilho? Passa apenas pelas boas condições e constar do grupo A?

Não basta isso. Um bom colégio mede-se pela qualidade dos professores. Tivemos ou temos ainda uma geração de professores muito boa, geração dos anos 50, 60 e parte dos anos 70. A geração de 80 ainda deixa muito a desejar, ainda não tem aquela qualidade porque os centros de formação de professores também baixaram de qualidade. Outro aspecto que também diferencia os professores é q questão da tecnologia. Hoje o mundo é virado às  TIC’S (Tecnologias de Informação e Comunicação), porque se o aluno não estiver virado às TIC’s ele não se sente motivado. Hoje os meios de ensino são outros, usam-se equipamento de 3G, mesmo no ensino particular estamos a ser os pioneiros no uso disso em Angola. Há colégios com aulas projectadas em 3G e isso faz com que se atinja qualidade. Mas não fugindo a sua questão, um bom colégio mede-se pela qualidade de quem está à frente, os gestores, directores e sub-directores, professores e o investimento contínuo que a instituição faz sobre estes indivíduos, depois vem as infraestruturas. Mas em primeiro lugar vem os recursos humanos, a seguir o recurso infra-estrutural.

Então aqueles colégios sumptuosos, muitos dos quais em forma de castelo, não oferecem tanta segurança para a formação dos nossos filhos?

Isso só não basta. Temos andado pelo país e temos estado a ver, o Estado até tem um programa muito bom de Combate à Fome e à Pobreza que tem tirado os alunos debaixo das árvores. Mesmo debaixo das árvores já encontramos professores muito bons e conseguem dar uma certa qualidade de aprendizagem aos alunos, embora o aluno não tenha condições de acomodação. Mas é para destacar mais uma vez os recursos humanos. Não basta uma grande infra-estrutura, isso quer para a escola pública porque está-se a fazer boas escolas, quer nas particulares. O mais importante é o recurso humano.

 Existe muitos casos de colégios situados na periferia de Luanda e de outras capitais províncias que se têm destacado?

Temos muitos, não vou aqui enumerar nem citar nomes, mas hoje na periferia e começámos a ter uma certa dificuldade há quatro anos quando bairros como Benfica, Viana começaram a ficar super povoados. Construíram-se colégios mas não tínhamos professores com qualidade. Daí que começamos a investir muito em formação continua e actualizada nos professores destes municípios. Agora nós temos dificuldades muito grandes porque os centros específicos de formação de professores hoje baixaram de qualidade, quer a nível do Estado quer do privado, mas ainda conseguimos ir à escola católica de formação buscar bons professores. Ainda existem e podemos afirmar pela positiva que sim, mas a nível do Estado temos que melhorar a qualidade dos professores, sobretudo a formação. Quando melhorarmos a qualidade dos professores, com certeza que vamos voltar a ter uma boa geração de professores.

A Inspecção tem funcionado junto das instituições do ensino particular?

A Inspecção funciona, visita-nos. Durante muito tempo parecia que a Inspecção existia para o ensino particular e aí foi uma das falhas no ensino público.

Porquê?

Havia Inspecção, mas eles só se preocupavam com o ensino particular e esqueceram-se do ensino público. Há coisa de três anos viraram-se para o ensino público porque de tanto nos visitarem e exigirem coisas ajudaram o ensino particular a desenvolver-se. Agora que voltaram para o ensino público vamos esperar que haja resultado positivo nos próximos anos.

O que é que os inspectores mais solicitam quando visitam os vossos filiados?

Primeiro, eles têm que analisar o processo individual, quer a nível dos professores e dos alunos, para ver se cumprimos rigorosamente com aquilo que a lei estabelece, quer da faixa etária, professores efectivos, colaboradores. Na parte pedagógica vê se cumprimos com o programa curricular por disciplina, pretende sempre saber o que demos de extra-curricular porque investimos bastante neste sector. Sobre isso posso falar mais daqui a pouco como diferencial competitivo que nós temos. Mas os inspector uma vez por outra assiste à aula, pede o plano de aula, basicamente é isso. Ele tem mais um trabalho de aconselhamento do que de punição. Quando as coisas estão mal propõem uma punição, mas fora disso o inspector tem um trabalho pedagógico, porque ele vai ensinar para se encontrar uma solução e saídas positivas.

Muitos colégios têm sido punidos por não cumprirem com aquilo que a lei estabelece?

Não tem havido muitas punições porque temos tido anualmente três reuniões com a Direcção Provincial de Educação de Luanda e nas províncias também. Essa reunião tem sido preparada entre a direcção provincial e a associação, então todos os pontos fracos têm sido trabalhados conjuntamente.

Os colégios têm tabelas mínimas para a cobrança de propinas ou cada um cobra o valor que bem entender?

Estamos numa economia de mercado e ele por si só regula-se. Nós não determinámos ainda, falo no geral, tanto com o Ministério da Educação, taxas máximas, mas já trabalhamos há dois anos e falta orientação superior. Acredito que o Conselho de Ministros, Assembleia Nacional aprove posteriormente a sua publicação para que se oficialize a questão dos grupos, que vão do A até ao C. Os colégios do grupo A na proposta são os que vão cobrar um valor superior.

Qual é o máximo?

O máximo foi estabelecido na ordem dos 22 mil kwanzas, para o ensino primário na ordem dos 13-14 mil Kwanzas. Mas hoje lhe posso garantir que isso foi há dois anos, o nível de vida aumentou, há que melhorar o salário dos professores e estes valores já não são compatíveis com o nível de vida e aquilo que o mercado prática. Portanto, é preciso rever estes valores porque já lá vão dois anos desde que o estudo foi feito. Aquilo que é actual e que interessa é que o mercado estabeleceu até 20 mil Kwanzas o valor para propina. Há excepções, mas as propinas vão de 10 a 20 mil Kwanzas. Como já disse é um valor baixo, não defendo um superior, mas se o Estado subvencionar o imposto industrial com certeza vamos parar por aí a nível de propinas ou podemos reduzir um bocado mais.

O facto de estarmos numa economia de mercado a azo para as escolas internacionais cobrarem alguns valores tidos como exorbitantes?

Olha, as escolas internacionais não são reguladas pelo Ministério da Educação. Já fizemos um trabalho porque o principal concorrente que nós temos, quer a escola pública como a particular, são as escolas estrangeiras porque infelizmente grande parte das pessoas que estudam nestas escolas são filhos de angolanos. Tem escolas que cobram trimestralmente qualquer coisa como 18 mil dólares e essas escolas não estão vazias. Têm 200 alunos. Tem escolas que chegam a cobrar 20 ou 25 mil dólares para um trimestre. Portanto, cada um aposta naquilo que pode, cada um pode escolher a escola para o seu filho estudar, mas o certo é que se deve regular a abertura de escolas internacionais em Angola. Temos que determinar enquanto angolano o máximo para estas escolas poderem cobrar, porque elas vêm cá, estabelecem valores superiores àqueles que se cobram nos seus países e tiram proveito do rendimento dos nossos nacionais. Têm qualidade sim, há rácio entre professores e alunos, mas o valor que se cobra não justifica com certeza.

Têm alguma relação com estas escolas?

A associação não tem uma relação oficial com estas escolas, porque elas não são reguladas à luz do direito angolano. Temos uma certa cooperação com algumas, é verdade, porque manifestam interesse que os seus alunos participem nas nossas actividades culturais, desportivas e recreativas porque eles têm que se socializar também, isto é humano. Mas não podemos ter uma relação oficial por causa da sua natureza jurídica. Posso lhe garantir, por exemplo, que à luz dos acordos Angola devia ter uma escola portuguesa, mas hoje existem muito mais. Existem pelo menos três ou quatro escolas que dependem de Portugal, os acordos de cooperação não indicavam para isso, mas a necessidade do mercado ou de qualidade já levou para isso. Não somos contra essas escolas, mas tem que se estabelecer um máximo nas propinas.

A suposta qualidade que aponta justifica os valores que são cobrados nestas escolas internacionais?

Volto a dizer que estamos numa economia de mercado e cada um é livre de gastar aquilo que tem. Mas ainda assim acredito que não justifica os valores. Mas não nos preocupamos mais com a parte pedagógica porque estas escolas não ministram no seu currículo quase nada que tem a ver com o nosso país. Isso é que a situação mais grave, porque os alunos são angolanos, mesmo que fossem estudantes estrangeiros a viver em Angola deviam conhecer a história e geografia do nosso país. Infelizmente, eles não priorizam estas disciplinas no seu currículo.        

Onde é que estudam os seus filhos?

Os meus estudam numa escola particular.

Se tivesse possibilidade os colocaria numa escola internacional aqui em Angola?

Com certeza, não. Mesmo que tivesse possibilidades financeiras não o faria. Primeiro porque nós temos um compromisso com a pátria, moral e muito grande. Acho que o exemplo tem de partir de nós enquanto gestores, porque se o meu filho não estiver numa escola angolana, não vou diferenciar pública e particular, as pessoas que connosco trabalham começariam a desconfiar e ficariam defraudadas. E então acredito que o exemplo tem de partir de nós.
Disse-me a pouco que a maioria dos alunos destas escolas é ilho de angolanos. O que acha que concorre para isso quando existem colégios nacionais do tipo A, B , C e até vencem os concursos realizados a nível da SADC?

Da abordagem feita a alguns encarregados que têm filhos nestas escolas, eles dizem que os colocam para garantir a continuidade no estrangeiro. Portanto, estas escolas têm um link com as universidades nos seus países de origem e os alunos saídos das escolas vão a estes sítios sem fazerem testes porque têm acesso directo. Por outro lado, compreendemos que estamos num processo de transição, o ensino em Angola começa a ganhar uma certa credibilidade e os pais colocarem primeiro os filhos nas escolas estrangeiras também por falta de credibilidade ao nosso ensino. Isso temos que assumir e é verdade.

Muitas das escolas foram construídas em espaços que anteriormente pertenciam a escolas públicas, como por exemplo no conhecido Largo das Escolas, onde estão a Francesa e a Portuguesa. Quer comentar isso?

Essas escolas a que fez referência foram construídas por esses países, o Estado angolano apenas cedeu-lhes estes terrenos e, acredito, o direito de superfície. Mas elas fazem parte de um investimento destes países. Volto a repetir: existem acordos de cooperação entre o Ministério das Relações Exteriores de Angola e outros países também. Dentro destes acordos prevê-se escolas consulares e vou dar um exemplo, Angola também tem escolas consulares particularmente em Ponta Negra. Isso já vem desde que os nossos camaradas andaram nas matas e continua até hoje. Os tempos mudaram mas escolas continuaram e em Angola temos que respeitar estes acordos também. Portanto, elas não tiraram nenhum espaço físico no campo das infraestruturas, mas faz parte da cooperação. Hoje temos a escola francesa, portuguesa e inglesa.

Não sentem alguma discriminação entre o tratamento dado às escolas particulares angolanas e estas internacionais?

Não sentimos nenhuma discriminação porque acreditamos que elas pagam impostos ao Estado, se não pagam é um erro. É um benefício que advém desta relação com outros países, mas não sentimos estes prejuízos. O que sentimos é que temos de ser iguais ou superiores a estas escolas, independentemente do valor e é isso que dá força ao ensino particular, porque nós olhamos para estas escolas como concorrentes. Lutamos para atingir os níveis destas escolas e, se possível, superá-las. Por exemplo, nós hoje, conforme a associação recomendou, adoptamos o sistema de permanência na escola, isso já gera concorrência com estas escolas. Cada vez mais estamos a promover o ensino integral, aquele em que o aluno só sai da escola por volta das 17 ou 18 horas. Portanto, nós vamos competir, não estamos preocupados com o lado financeiro destas escolas, mas sim com os seus pontos fracos e fortes para podermos enriquecer os nossos pontos fortes sobretudo.

Por isso apostam muito nas actividades extra-escolares, também conhecidas por ATL’s?

O aluno do ATL tem o extra-curricular e o currículo normal num período do dia e num outro período aulas de reforço nas principais disciplinas, principalmente Matemática, Língua Portuguesa e hoje também Língua Inglesa. Hoje também temos outras disciplinas como capoeira, natação, xadrez, corte, costura, teatro, dança e conseguimos estabelecer no lado oposto que todos os dias o aluno tem uma certa valência que vai resultar em grandes competências. Vamos preparando-os para a vida.

Nota-se os benefícios deste ATL?

Visivelmente, porque quando o ATL tem acompanhamento nota-se uma diferença entre o aluno que estuda quatro horas e aquele que faz sete horas por dia. Dou-lhe um exemplo: a melhor educação na América Latina é a chilena e os alunos no Chile estudam oito horas por dia. No Japão, que tem um dos melhores sistemas de educação no mundo, os alunos também estudam oito horas por dia. Nós estudamos apenas quatro horas por dia, temos um calendário escolar de Fevereiro a Dezembro com 170 dias lectivos, os japoneses estudam 300 dias em média/ano. Então dá para ver que a nível competitivo eles têm um diferencial de horas muito grande em relação aos nossos. Só podemos incentivar isso promovendo cada vez mais a abertura do ATL.

Os encarregados de educação devem ou não pagar as propinas do mês de Dezembro, quando sabemos que o ano lectivo termina um mês antes?

O ano lectivo vai de 1 de Fevereiro a 21 de Dezembro. O contrato de trabalho que os privados estabelecem com os professores é de 11 meses, que vai de Fevereiro a Dezembro. Falta alguma coragem e às vezes alguns colegas nossos, camaradas e os gestores do Ministério da Educação agem de forma populista e vêm em defesa dos encarregados de educação. Isso é um erro porque o encarregado de educação na altura que matricula o filho sabe das condições que o colégio lhe exige. Certa imprensa também contribui para isso, dá muito valor a esta situação quando há um acordo tácito ou mesmo escrito entre o encarregado e a instituição. Ele sabe que matricula o filho e vai até Dezembro, o filho pode terminar as aulas em Novembro mas o professor trabalha até Dezembro. Senão também estaremos a fazer uma discriminação porque o professor efectivo que trabalha na escola estatal tem 12 meses de salário, subsídio de férias e o 13º. Quer dizer que ele tem 14 salários. Porque é que o privado terá menos? Deixamos esta questão. Temos que tratar o angolano como um só e não criar discriminação. Geramos empregos, ajudamos o Estado. O indivíduo que fizer um contrato connosco de 10 meses, depois ficar sem um salário, cria uma situação triste na casa deste professor e não terá coragem de trabalhar no ensino particular. Mas o ensino público não absorve tudo e foi visto no concurso público que tivemos agora. Foram mais de 40 mil inscrições para 160 vagas. Quantas pessoas ficaram de fora? Onde é que vão trabalhar? Claro que no ensino particular, mas tem que ser tratado como cidadão nacional e ter as mesmas condições que as do Estado. Se não for assim é uma discriminação. Queremos direitos iguais para os professores.

A associação está satisfeita com a Reforma Educativa que esta sendo feita?

A Reforma Educativa é um processo que felizmente que chegou ao seu fim agora em 2012. Este é o último de generalização em termo de reforma, aliás este é o ano da avaliação. Tivemos um encontro técnico em Março em Ndalatando, organizado pelo Ministério da Educação e todos os seus parceiros participam do referido encontro, estabeleceu-se calendários e timing para avaliação da reforma que estão a ser cumpridos e até ao final do ano vamos então fazer a avaliação final. Aí vamos então avaliar se para cada subsistema de ensino, nomeadamente o ensino primário, primeiro ciclo e o segundo, a reforma foi positiva ou não. Mas assim visivelmente em termos de conteúdos e de programas nota-se uma certa melhoria, mas descuramos muito a qualidade do professor, melhoria e formação contínua. Trabalhou-se muito a nível de seminários de carácter informativos quando deveriam ser de carácter formativo. E é nisso que temos estado a investir a nível da formação e não da informação. Mas a reforma tem pontos positivos e também negativos. Há uma resistência psicológica por exemplo à mono-docência no ensino primário…

A mono-docência é positiva?

Não é positiva. Nós primeiro devíamos criar a nível do Magistério Primário professores para a mono-docência. O Ministério da Educação diz que quem dá 4º classe antiga dá 6ª classe hoje, mas a nossa realidade mostra que os nossos formandos nos institutos de Educação não têm uma base muito forte à Matemática, não têm base à Formação Manual. Ele pode ser forte a Língua Portuguesa e História, mas ser fraco noutras. E se ele sozinho der essas disciplinas todas, não tiver um acompanhamento rigoroso da própria escola, porque o inspector n.º 1 é o director da própria escola, vamos mutilar alunos. Vou dar um exemplo à luz das exigências internacionais: uma criança na segunda classe em um minuto deve ler duas frases. Se formos às nossas escolas, mesmo reforma educativa, vamos ver muitas crianças da segunda classe ainda a soletrar.

Mas os números apresentados pelo Executivo têm sido muito bonitos e levados. Fala-se em poucas reprovações desde que foi implementada a Reforma Educativa?  

Mas hoje muitos governantes põem em causa a qualidade das pessoas que fazem parte desta estatística. Porque os dados estatísticos são uma coisa e aferir a qualidade destas pessoas são outras. Se reparar as crianças têm muitos problemas de leitura, interpretação, de fazer uma redacção ou uma composição. Na segunda classe as crianças têm que dar estes passos e na quarta classe tem que começar a dissertar alguma coisa, mínima mas tem que começar. E então com o número de alunos que existe dentro de Reforma Educativa não é possível. A Reforma Educativa peca porque continua a ter muitos alunos a nível das salas de aulas, quando previa ter no máximo 35 ou 40 alunos excepcionalmente. Mas ainda tem acima de 50.

Há professores que se queixam de ser obrigados a transitar alguns estudantes de uma classe para outras mesmo que não tenham bom aproveitamento...

A reforma tem classes de transição automáticas, como são os casos da primeira, terceira e quinta classe. O aluno pela reforma não reprova, deve transitar. Mas há excepções. No ensino particular temos recomendado que o aluno que não lê e não escreve na segunda classe não deve transitar para terceira. A segunda classe não é de transição, mas se o indivíduo não estiver bem também não pode passar para a terceira classe. Se não são bons na primeira classe é porque já vieram com deficiências da primeira classe, que é o tal caso da transição automática. Mas também posso explicar o porquê da transição automática num país como o nosso, do terceiro mundo. Há um estudo de Paulo Freire, um destacado pedagogo brasileiro, que aponta para os países do terceiro mundo que não têm creches, o número de países que possuem é muito diminuto, reduzido e Angola é um destes casos. Se uma criança não vai à creche até aos cinco anos ela não está socializada. Vai socializar-se pela primeira vez na escola. Nós agora voltamos a ter a iniciação, mas se se recordar o Ministério da Educação tirou-a há anos e a Reforma Educativa já a trouxe outra vez em algumas escolas. No ensino particular é generalizado mas no público não. Estamos a falar de uma camada social mais desfavorecida, da periferia por aí que não vão à creche, e Paulo Freire defendia que estes alunos têm que se socializar. Eles entram para a escola na primeira classe e é nesta classe que devem socializar-se e ambientar-se. Daí que seria uma penalização da sociedade reprovar esta criança, então ela beneficia da transição automática e na segunda classe começa a levar o ensino muito mais a sério. Portanto, é uma situação real, factual e acredito ser também por esta via que Angola também enveredou para criar a transição automática na primeira classe.

Descurando a qualidade?
Descurando a qualidade, obviamente. Aqui Paulo Freire referia-se à quantidade e ao facto de a escola absorver os alunos todos para que ninguém ficasse em casa.

A associação concorda com os conteúdos que têm sido ministrados aos alunos actualmente, sobretudo depois da Reforma Educativa?

Os conteúdos são actualizados. Mas há coisas que têm que mudar. Os manuais do segundo ciclo estão muito virados para Portugal, os textos literários, a nível da narrativa e não só, têm mais autores portugueses do que angolanos. Nós não concordamos. Há que mudar, investir e investigar mais, trabalhar com a União dos Escritores Angolanos e esse trabalho já foi recomendado ao Ministério da Educação. Acredito que uma reforma não termina, é sempre um processo e acredito que as coisas também vão mudar. É triste ver que um manual tem muito mais de Portugal do que Angola. O livro de Direito, do curso de ciências jurídicas e económicas, é muito mais português do que angolano. Temos que mudar e virar mais para a nossa realidade. Mas também posso afirmar que a reforma trouxe conteúdos muito bons, não tínhamos um manual de educação física e hoje temos. Algumas situações que não existiam já existem, mas viramo-nos só para o aluno e esquecemo-nos do professor. Um ensino que aposta na qualidade tem que ter, por exemplo, um manual do aluno e um outro para o professor. A lição número um no manual do aluno é a número um no manual do professor, isso cria compatibilidade entre ambos.
Reportagem de Dino Costa

Sem comentários